segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Pior que o presidencialismo de coalizão é o parlamentarismo de negócios                         

Eduardo Cunha é o síndico do parlamentarismo de negócios. Ele comanda o "nightmare team" que amedronta o presidencialismo de coalizão brasileiro...

Antonio Lassance (*)                                    
PMDB Nacional / Flickr
Com sua eleição para a presidência da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) está com o queijo e a ratoeira na mão.

Sua vitória acachapante derrotou governo e oposição.

Ambos, governo e oposição, torciam pelo menos por um segundo turno naquela eleição - nem isso veio. Cunha não apenas levou a melhor. Mostrou que é mais forte do que todos imaginavam.

O feito de Cunha é notável. Derrotou os dois principais partidos que, desde 1994, encabeçam os embates presidenciais e que presidencializaram as disputas de muitos governos estaduais e das capitais.

Cunha é, agora, o bode no meio da sala. Ele é o capitão da nau dos descontentes. É o fio-terra de uma legião de insatisfeitos famintos por um síndico do parlamentarismo de negócios.

Juntando os descontentamentos mútuos, Cunha conseguiu operar milagres como o de unificar o PMDB e atrair PP e PRB, além de partidos nanicos, mas com caninos tão afiados quanto o de grandes partidos.

Seus 267 votos são mais da metade dos 513 deputados. É um "nightmare team" que amedronta o presidencialismo de coalizão brasileiro.

Passado o Carnaval e a quarta-feira de cinzas, o governo tem no máximo até o final de março para bater o martelo. Quer conviver com Cunha ou quer mandá-lo pentear macacos?

O governo vai suportar o cheiro de enxofre desse inferno ou preferirá enfrentar as dunas movediças do Congresso Nacional com emoção e correndo o risco de capotar?

A situação não tem outra descrição possível se não a do clichê de "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come".

Neste momento, tudo o que Cunha quer é ser governo. Está doido para ser governo. Não suporta ficar longe do governo. Só não se ajoelha e reza pedindo para ser governo porque isso não cairia bem a quem agora é o cardeal supremo da Câmara.

A base que apoiou Cunha treme como em uma crise de abstinência. Corre atrás do primeiro que apareça como um fornecedor confiável para os seus pleitos.

E Cunha tem muitas faturas para pagar. Precisa de espaço no governo e de poder de barganha para comandar a gestão de inúmeros interesses privados. Precisa saldar seus compromissos e não dá para fazer isso só com a presidência da Câmara.

Enfim, o quadro que se configura, como nunca antes na história do país, é de que, pela primeira vez, se gestou uma grande coalizão parlamentar na Câmara não orientada pelo Executivo, mas pela própria Casa.

A Câmara organizou-se como um condomínio fechado e interessado em defender seus próprios interesses. Ela tem Eduardo Cunha e não tem medo de usá-lo.

Quando Dilma fechou as portas do governo para Cunha, anos atrás, não as fechou apenas para ele. Fechou para muitos que agiam de maneira muito similar.

O bambolê com que o então deputado Henrique Eduardo Alves a presenteou, anos atrás, para que Dilma aprendesse a ter mais jogo de cintura, sumiu.

Dilma tentou usar um ferrolho para um tipo de política. Na verdade, foi Lula quem tentou usar um ferrolho para esse tipo de política. O ferrolho se chamava e se chama Dilma Rousseff. Da mesma maneira como Dilma tentou usar um ferrolho na Petrobrás com o nome de Graça Foster. Simples assim.

Mas as soluções simples são, em geral, contraproducentes quando os problemas, esses engenhosos senhores que dominam a Terra, resolvem encontrar atalhos.

O que aconteceu? Quando Dilma fechou as portas do Executivo para uma grande parcela de sua própria base, desagradando partidos (inclusive o próprio PT), centralizando a gestão e, sobretudo, contrariando inúmeros interesses, esses interesses resolveram, diante do ferrolho no Executivo, ir bater às portas do Congresso.

Passaram a dominar uma parte importante da agenda parlamentar. Fizeram aprovar projetos que contrariavam o Executivo, com a graciosa, mas nunca gratuita, ajuda de muitos parlamentares.

Com o Congresso mais endinheirado de toda a história do País, de agora em diante, uma parte mais relevante da agenda política nacional pode sair de dentro da Câmara, e não do Palácio do Planalto, que cada vez se parece mais com um Corpo de Bombeiros tentando apagar incêndios.

Se a paz entre o Planalto e Eduardo Cunha vier a ser selada, o preço a ser pago será, ainda assim, muito caro.

Não são apenas cargos que estão em disputa. É toda uma gama de interesses do capitalismo brasileiro que encontra agora um porto seguro para aportar e invadir as nossas praias.

Mundo, mundo, vasto mundo, como diria o poeta Drummond. Se a presidenta se chamasse Raimundo, seria uma rima, não seria uma solução.

(*) Antonio Lassance é cientista político.

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