domingo, 23 de novembro de 2014


A 'Foreign Affairs' e o mapa

da conspiração no Brasil     


Sérgio Léo      Luis Nassif Online imagem de Celso_51
Revista não tem como costume editorial assumir artigos de escritores não nominados
Diferentemente da Economist, a Foreign Affairs não tem artigos assumidos pela revista, de articulistas não nominados. Por isso, falar que a "Foreign Affairs" faz um retrato realista de qualquer coisa, é nos deixar, leitores, mal informados sobre quem faz o tal retrato. O último texto que li na Foreign Affairs sobre o Chile foi, em meados deste ano, o polêmico artigo do ex-agente da CIA Jack Devine que diz o contrário do que relata esse artigo do Assis, pondo nos chilenos toda a responsabilidade do golpe, que teria pego Washington de surpresa. Essa versão é difícil de crer, cito só para ilustrar como atribuir uma posição à Foreign Affairs é equivocado.
Imagino que Assis fale do excelente artigo, na edição de setembro/outubro, de John Mearsheimer, um realista da Universidade de Chicago, que tem trabalhos interessantíssimos sobre o lobby de Israel na política externa dos EUA e sobre como os governos mentem menos para outros governos que para seus próprios cidadãos, quando se trata de fazer política externa. Vale para ele o que diz Assis sobre a Foreign Affairs: é insuspeito de antiamericanismo; é apenas sério, e não limpa a barra do próprio governo. 
Mas não, o Brasil não está "criando uma alternativa de desenvolvimento" no mundo com os Brics. Quando muito, está criando uma alternativa de análise dos poucos projetos de desenvolvimento que serão financiados pelo acanhado Banco dos Brics, cujo funcionamento ainda depende de delicadas e difíceis negociações entre os cinco países do grupo, cada um com seu projeto próprio e não coletivo de inserção internacional. O modelo defendido pelo Brasil para o banco tem menos condicionalidades espúrias que o do banco Mundial, é certo; mas tem os mesmos princípios rígidos de sustentabilidade fiscal que as instituições do Consenso de Washington; afinal, querem ter boa classificação das agências de rating para emitir títulos do novo banco. 
Não me parece que o governo brasileiro considere mais viável e favorável ao desenvolvimento o modelo chinês de exploração de recursos naturais, ou o russo de manutenção de seus interesses geopolíticos. E, se conseguiu bom material com a espionagem sobre o Planalto, o pessoal de Washington sabe disso; está mais preocupado com a aliança entre países asiáticos com a China que com as ligações entre chineses e Brasil. Ao que me consta, não há nenhum movimento inspirado pela CIA para desestabilizar o governo indiano, também membro dos Brics, muito mais rebelde nos organismos multilaterais que o Brasil,  e situado em região bem mais delicada do ponto de vista geopolítico. 
Evidentemente, incomoda aos EUA qualquer aproximação do Brasil com o regime de Putin, especialmente num momento em que há enorme esforço para isolá-lo, do chamado "mundo ocidental" (que inclui, olha só, o Japão, e, na boca de quem usa essa expressão, nem sempre nos incorpora).
Mas é forçar muito a interpretação dizer que, daí, financiariam uma campanha de desestabilização, e apoiariam a derrubada golpista do governo Dilma. Basta ver no Wikileaks e nos telegramas do Itamaraty: o Brasil, nos últimos anos, e especialmente nos governos Lula e Dilma, foi frequentemente visto e tratado como aliado no esforço de moderação dos chamados governos "populistas" do continente sul-americano.
Algumas atitudes de Lula e manifestações de Marco Aurélio Garcia levantaram desconfianças no establishment de Washington, mas é difícil crer que os EUA, atolados com os problemas na Ásia e Oriente Médio (esses sim, o foco de atenção de Obama),  se arriscariam criar novo foco de instabilidade (é imprevisível o que aconteceria em caso de derrubada de Dilma) em um continente já bem cheio de incertezas. Se há movimento para tirar Dilma e o PT do poder, seus promotores são made in Brazil mesmo, não é o caso de ficar buscando inimigos externos.. 
Há um fato objetivo: houve corrupção. O PT se deixou envolver. Foram postos na administração aliados pouco republicanos que, como em administrações anteriores(do PSDB e antecessessoras), sujaram as mãos. Ponto para Dilma: ela fortaleceu as instituições, deixou livre a PF, nomeou figuras independentes para o Supremo. As instituições estão funcionando, inclusive a vibrante democracia que se manifesta nas redes sociais.  

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