quarta-feira, 30 de abril de 2014

Xingar de macaco: uma pequena história de uma ideia racista

Douglas Belchior(*)                                   Belchior
“Para entender o poder e o escopo do xingamento de macaco, precisamos de uma dose de história”. É o que pensa James Bradley, professor de história da Medicina/Ciência da Vida na Universidade de Melbourne, autor do texto abaixo, traduzido pelo professor da Uneafro-Brasil e doutorando em literatura da USP, Tomaz Amorim Izabel.
Nas últimas 24 horas muito foi dito e escrito sobre Daniel, Neymar, bananas, macacos e racismo. Não sou um acadêmico e tampouco jornalista. Não passo de um mero professor de rede pública estadual de São Paulo e mais um militante do movimento negro. O que formulei sobre o assunto nada mais é que fruto do acúmulo das lutas concretas. Do ensinamento que recebi d@s lutador@s mais velh@s e o que aprendi com meus iguais. E as afirmações são simples:
O racismo é algo sério, não podemos brincar com ele.
Daniel promoveu uma reação interessante, deu visibilidade ao debate sobre racismo, mas a forma e o conteúdo de seu “protesto” não nos serve. Tampouco a reação de Neymar, que agora sabemos, não partiu dele.
A maioria dos atletas, principalmente no futebol é de alienados e não tem opinião qualificada sobre temas relevantes para a sociedade. E isso não é preconceito ou generalização, mas sim uma constatação mais uma vez comprovada. Só falam bobagens e no máximo se prestam a assistencialismos em seus territórios de origem(vide Pelé, Zico, Ronaldo, Cafú entre outros).
Comparar negros a macacos é racismo e não podemos admitir. Fortalecer a ideia de que devemos absorver ofensas racistas é um desrespeito à população negra, além de um golpe ideológico: “Sofram calados, não façam escândalo, levem na esportiva”. 
Não somos todos macacos! Somos negr@s e merecemos respeito.
A campanha de Luciano Huck e Neymar é racista. Suas camisetas e seu vídeo são racistas. E ganhar dinheiro com uma campanha racista é canalhice, simples assim.
Ou, daqui pra frente, será tranquilo para você levar bananadas por aí e fingir que não se sentiu ofendido?
A ordem é rir da situação para desmobilizar o agressor, tal qual nos orienta papai e mamãe: “Filh@, quando te chamarem de macaca, leva na brincadeira que é melhor! Se você se irritar, aí é que o o apelido pega!”. Pois o que precisamos é desobedecer essa orientação e denunciar a agressão.
Para qualificar o debate, segue abaixo o texto do professor Bradley.
Seguimos...
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 Por James Bradley – do  The Conversation
Professor de História da Medicina/Ciência da Vida na Universidade de Melbourne 
A maioria de nós sabe que chamar alguém de macaco é racismo, mas poucos de nós sabem por que macacos são associados na imaginação europeia com indígenas e, principalmente, afrodescendentes.
Para entender o poder e o escopo do xingamento de macaco, precisamos de uma dose de história. Quando eu era aluno de graduação na universidade, eu aprendi sobre racismo e colonialismo, particularmente sobre a influência de Charles Darwin (1809-1882), dos quais as ideias pareciam fazer o racismo ainda pior.
Na verdade, isto é fácil de inferir. A teoria da seleção natural de Darwin (1859) mostrou que os ancestrais mais próximos dos seres humanos foram os grandes macacos. E a ideia de que os homo sapiens descendiam de macacos se tornou rapidamente parte do teatro da evolução. O próprio Darwin foi muitas vezes representado como meio-homem, meio-macaco.
Além disso, enquanto a maior parte dos evolucionistas acreditava que todas as raças humanas descendiam do mesmo grupo, eles também notaram que a migração e a seleção natural e sexual tinham criado variedades humanas que – aos seus olhos – pareciam superiores a africanos ou aborígenes.
Ambos estes grupos tardios foram frequentemente representados como sendo os mais próximos evolutivamente dos humanos originais e, portanto, dos macacos.
O papel do pensamento evolucionista
No começo do século XX, o aumento da popularidade da genética mendeliana (nomeada em referência a Gregor Johann Mendel, 1822-1884) não fez nada para destituir esta maneira de pensar. Se é que ainda não piorou as coisas.
Ela sugeria que as raças haviam se tornado raças separadas e que os africanos, em particular, estavam muito mais próximos em termos evolutivos dos grandes macacos do que estavam, digamos, os europeus.
E ainda assim, durante este mesmo período, sempre houve uma corrente da ciência evolutiva que rejeitou este modelo. Ela enfatizava as profundas semelhanças entre diferentes raças e que as diferenças de comportamento eram produto da cultura e não da biologia.
Os horrores do Nazismo deveram muito ao namoro da ciência com o racismo biológico. O genocídio de Adolf Hitler, apoiado de bom grado por cientistas e médicos alemães, mostrou onde o mau uso da ciência pode levar.
Isto deixou o racismo científico nas mãos de grupos de extrema direita que só estavam interessados em ignorar as descobertas da biologia evolutiva do pós-guerra em benefício de suas variantes pré-guerra.
Claramente o pensamento evolucionista teve algo a ver com a longevidade do xingamento de macaco. Mas a associação europeia entre macacos e africanos tem um pedigree cultural e científico muito mais extenso. 
Pego no meio
No século 18, uma nova maneira de pensar sobre as espécies emergiu. Anteriormente, a vasta maioria dos europeus acreditava que Deus havia criado as espécies (incluindo o homem), e que estas espécies eram imutáveis.
Muitos acreditavam na unidade das espécies humanas, mas alguns acreditavam que Deus havia criado espécies humanas separadas. Neste esquema, os europeus brancos eram descritos como próximos aos anjos, enquanto africanos negros e aborígenes estavam mais próximos aos macacos.
Muitos cientistas do século XVIII tentaram atacar o modelo criacionista. Mas, ao fazê-lo, acabaram dando mais poder para o xingamento de macaco.
No meio do século XVIII, o grande naturalista francês, matemático e cosmólogo Comte de Buffon (Georges-Luis Leclerc, 1707-1788) deu continuidade à ideia de que todas as espécies de animais descendiam de um pequeno número de tipos gerados espontaneamente.
Espécies felinas, por exemplo, supostamente descendiam de um único ancestral gato. Ao migrarem do seu ponto de geração espontânea, os gatos degeneraram em diferentes espécies sob influência do clima.
Em 1770, o cientista holandês Petrus Camper (1722-1789) pegou o modelo de Buffon e aplicou-o ao homem. Para Camper, o homem original era o grego antigo. À medida que este homem original se moveu do seu ponto de criação ao redor do mundo, ele também degenerou sob influência do clima.
Na visão de Camper, macacos, símios e orangotangos, eram todos versões degeneradas do homem original. Então, em 1809, o ancestral intelectual de Darwin, Lamarck (Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck, 1744-1829) propôs um modelo de evolução que via todos os organismos como descendentes de um único ponto de criação espontânea.
Larvas evoluíram em peixes, peixes em mamíferos e mamíferos em homens. Isto aconteceu não através da seleção darwinista, mas através de uma força vital interna que levava organismos simples a se tornarem mais complexos, trabalhando em combinação com a influência do meio ambiente.
Deste ponto de vista, humanos não compartilhavam um ancestral comum com macacos; eles eram descendentes diretos deles. E africanos então se tornaram a ligação entre macacos e europeus. A imagem popular comumente associada com a evolução darwinista da transformação de estágios do macaco ao homem deveria ser propriamente chamada de lamarckiana. 
O poder do racismo
Cada uma dessas maneiras de pensar o relacionamento entre humanos e macacos reforçou a conexão feita por europeus entre africanos e macacos. E fazendo parecer que pessoas de origem não-europeia eram mais como macacos do que como humanos, estas diferentes teorias foram usadas para justificar a escravidão nas fazendas das Américas e o colonialismo no resto do mundo.
Todas estas diferentes teorias científicas e religiosas trabalharam na mesma direção: para reforçar o direito europeu de controlar grandes porções do mundo.
O xingamento de macaco, na verdade, tem a ver com a maneira com a qual os europeus, eles mesmos, se diferenciaram, biológica e culturalmente, em um esforço de manter superioridade sobre outros povos.
A coisa importante a se lembrar é que aqueles “outros” povos estão muito mais cientes daquela história do que os europeus brancos. Invocar a imagem de um macaco é utilizar o poder que levou à desapropriação indígena e a outros legados do colonialismo.
Claramente, o sistema educacional não faz o bastante para nos educar sobre ciência ou história da humanidade. Por que se fizesse, nós veríamos o desaparecimento do xingamento de macaco. 
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(*)Douglas Belchior é professor e ativista social, militante do Movimento Negro, Movimento de Cursinhos  Comunitários. http://negrobelchior.cartacapital.com.br

'Eficiência' tucana: São Paulo

gasta menos do seu PIB com educação do que o Piauí         


                    

Emílio Carlos Rodriguez Lopez  
                                                                             
 
                             Educação padrão Fifa depende da União, estados e municípios

O financiamento da educação pública brasileira é crônico. É uma das causas da má qualidade da educação básica, já que reflete nos baixos salários pagos aos professores e na sua sobrecarga de trabalho. Esse diagnóstico é verbalizado por vários educadores e aparece em trabalhos científicos.
Pense e responda:
Quem é responsável pelo atual nível de ensino?
Do ensino fundamental ao superior é tudo responsabilidade do governo federal?
Quem teria de ser responsável pela educação do padrão FIFA tão cobrado pela população?
Quanto gasta cada Estado em relação à riqueza produzida (PIB)? São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, maiores estados do Brasil gastam mais que outros estados?
Pela Constituição Federal, a União coordena e regula o sistema Nacional de Educação, visando a um padrão mínimo de qualidade. Ela deve se concentrar no ensino superior.  Os estados têm como prioridade o ensino médio e fundamental e os municípios, o ensino fundamental e infantil.
A Constituição é clara:
“Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regimede colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurara universalização do ensino obrigatório”.
Porém, como se conhece pouco a Constituição, é comum a mídia e a população, reforçada por essa mesma mídia, jogarem toda a responsabilidade nas costas do governo federal, não vinculando o baixo nível de educação a estados e municípios.
Nas manifestações de junho do ano passado, isso ficou bastante claro quando os manifestantes foram às ruas querendo “educação padrão FIFA”.
O slogan tão difundido jogou toda a obrigação nas costas do governo federal e ocultou o papel dos estados e municípios.
De outro lado, a Constituição Federal vincula a despesa com Educação à arrecadação de tributos.
Dos R$ 18 bilhões que se espera que a União arrecade em 2014, somente um quarto irá para a Educação.  Ou seja, quase R$ 4,5 bilhões. Já Estados e municípios têm de destinar 25% a 30% dos valores arrecadados com tributos para a Educação.
O gasto público de São Paulo em comparação com outros Estados
Afinal, quanto os Estados e o governo federal gastam com Educação?
O Tesouro Nacional disponibiliza em seu site uma série histórica dos gastos dos Estados da federação, inclusive com educação de 1995 a 2011. Só que, até 2001, os gastos com Educação eram somados com a cultura, dificultando comparações.
Optei então por construir uma série histórica de 2002 a 2011,  até porque o IBGE divulgou apenas o PIB dos Estados até 2011.
Os dados do Tesouro Nacional somam gastos com aposentadorias, repasses federais ou oriundos de empréstimos como despesas a serem computadas no cálculo nacional do gasto com educação.
A comparação por Estados é valida por estarem na mesma base de comparação.
Por isso, criei um ranking da despesa com educação desde o ano de 2002 a 2011. O levantamento compara a despesa de cada Estado com educação em relação ao respectivo PIB.
GASTO COM EDUCAÇÃO POR ESTADO EM RELAÇÃO AO SEU PIB 

Interessante notar a posição do Estado de São Paulo no ranking. Está em 18º lugar.
Isso não é de agora.  Em 2010, ficou em 22º lugar. Em 2008, teve a melhor posição:  17º. Nos demais anos, ficou entre 17º e 19º.
O mais incrível é que Piauí, Amapá, Acre, Sergipe, Rondônia, Roraima, por exemplo, gastam muito mais dos seus respectivos PIBs com Educação do que São Paulo.
Aliás, os gastos dos Estados com Educação vêm caindo.
Em 2002, representavam 2,39% do PIB dos Estados somados.  Em 2011, apenas  2,17%.
Essa diferença parece pequena, mas não é.  Ela representa R$ 9,1 bilhões em valores correntes no ano de 2011.
O gasto do Estado de São Paulo caiu de 2,27%, aplicado em 2002, para 2,25% da despesa com Educação frente ao PIB estadual de 2011. Este queda representa R$ 2,7 bilhões.
Tem mais. O governo do Estado de São Paulo deveria concentrar esforços no ensino fundamental e médio. Na prática, porém, a situação é pior.
No ensino fundamental, ocupa 19º lugar, uma posição abaixo da despesa geral. Contribui para isto o processo iniciado em 1995, que fechou algumas escolas e municipalizou outras em todo o Estado de São Paulo.
Esse quadro se repete no ensino médio. Ocupa o 20º lugar. Portanto, duas posições abaixo do gasto geral. Isso demonstra que o governo paulista não vem seguindo a Constituição federal e não prioriza o ensino fundamental e médio.
Já o governo federal vem aumentando a sua participação na despesa constitucional com a Educação (despesa com recursos de impostos definida pelo artigo 212 da Constituição federal). Pulou de 0,8%, em 2002, para 1,13%, em 2011.
Este avanço de 41% em termos percentuais pode ser atribuído, entre outros fatores, ao crescimento econômico do país e ao fim da DRU (Desvinculação da Receita Orçamentária). De 1993, quando foi criada, até 2009, quando foi extinta, a DRU retirou mais de R$ 90 bilhões da Educação.
A aceleração da União contrasta com a redução da despesa dos Estados e do governo paulista.  Isso revela que os governadores paulistas estão mais preocupados em enxugar gastos do que promover, de fato, educação de qualidade na sua rede de ensino.
GASTO CONSTITUCIONAL DA UNIÃO COM EDUCAÇÃO  EM RELAÇÃO AO PIB NACIONAL 

O governo paulista está diminuindo a sua participação na despesa nacional com educação, visto que há um crescimento de apenas 4% da despesa paulista em relação ao PIB Brasil  e que chega a 0,58%, o que faz que sua participação geral cair de 13,7% para 11%. Isso ocorre porque a despesa total com educação cresceu 28,8%, ou seja, 7 vezes mais que o crescimento em São Paulo. Além disto, em 2011, o governo federal aplicava o dobro frente ao PIB nacional que o governo paulista.
Desse modo, para que os 10% do PIB sejam aplicados na educação brasileira,  o governo paulista precisa dobrar o seu gasto e chegar a algo próximo a 1,2% do PIB Brasil, visto que este esforço envolve o governo federal, os estados e os municípios.
PARTICIPAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO NA DESPESA COM EDUCAÇÃO DO BRASIL

O principal legado das políticas neoliberais de redução do tamanho do Estado, iniciada em 1995 na gestão de Rose Neubauer e Mário Covas, se revela na falta de professores.
Essa falta de professores tem como pano de fundo o acordo da dívida da União com o governo paulista em 1997, que, entre metas, previa a redução do número de funcionários e do gasto com pessoal [1]
Ao longo do tempo, essa política do governo paulista fez com  que o salário dos professores perdesse valor real, levando-os a buscar emprego em outras áreas.
Claro que recursos não são tudo;  gestão é necessária. No caso paulista, o governo investe há duas décadas em mudanças na gestão a partir do ideário neoliberal.
Só que essas políticas não se mostraram eficiente, como aparece nos resultados  sentidos diretamente pela população e das dificuldades relatadas pelos educadores. Além do mais, o  PPA (plano plurianual) de 2008 a 2011, que concentra as promessas do governador José Serra, mostra que 40% do seu plano em Educação não foram realizados.
Melhorar o salário dos profissionais da Educação também é vital. Isso implica regulamentação da Lei do Piso Nacional e mudança na jornada de trabalho, fazendo com que o professor dê um número menor de aulas e possa dar uma aula melhor preparada.
Por último há a necessidade da regulamentação do gasto da Educação, tal como foi feita com a Saúde. Isso pode aumentar os recursos especialmente para pessoal e ajudar a resolver vários gargalos da Educação paulista, além de fornecer condições para a implantação de uma gestão mais eficiente  que garanta a plena execução de propostas apresentadas na campanha e que foram materializadas no Plano Plurianual, visto que no PPA 2008-2011, 40% das ações previstas não foram realizadas.
[1] Ver site da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo: informações sobre o acordo da dívida do governo paulista com a União.

Nota de Joaquim Barbosa revela que ele não sabe    

de nada                         

Uma autoridade do Estado que se utiliza do cargo para conclamar o repúdio a pessoas e a opiniões mostra que não sabe o que é ser um democrata.

Antonio Lassance                                        
Arquivo
Irritado com as declarações do ex-presidente Lula à Rádio e Televisão Portuguesa (RTP), contrárias à condução do processo do mensalão, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, soltou uma nota em defesa do processo e externando sua visão sobre o STF.

Nela, afirma que Lula tem “dificuldade em compreender o extraordinário papel reservado a um Judiciário independente em uma democracia verdadeiramente digna desse nome” e arremata dizendo que o STF é um "pilar essencial da democracia brasileira".

Barbosa avalia que a declaração de Lula "é um fato grave que merece o mais veemente repúdio", e que emite um sinal ruim ao "cidadão comum".

"Cidadão comum", como sabemos, é uma daquelas expressões orwellianas, usadas por quem acha que todos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros. Há cidadãos e "cidadãos comuns".

Na condição de "cidadão comum", creio que o fato mais grave e que merece repúdio é alguém que se diz parte de um "pilar da democracia" não admitir o direito de quem quer que seja de criticar o STF, assim como podemos hoje criticar qualquer governo e o Congresso. São todos órgãos do Estado, fundados e mantidos pelo cidadão.

O grave é uma autoridade do Estado se utilizar de seu cargo para conclamar, em uma nota assinada enquanto presidente do Supremo Tribunal Federal, o repúdio a pessoas e a opiniões.

Se alguém tem dificuldade para compreender alguma coisa em matéria de democracia, de uma forma que seja "verdadeiramente digna desse nome", esse alguém é o próprio Joaquim Barbosa.

Qualquer aula de introdução à Ciência Política e qualquer cursinho sobre instituições políticas brasileiras mostram que o pilar da democracia é o princípio da soberania popular. 

Nossa Suprema Corte não é constituída por esse princípio. Não é sócia fundadora da democracia. É fundada por ela. É ramo, e não raiz.

Barbosa poderia ter dito, por óbvio que seja, que o Judiciário é um pilar da Justiça, da liberdade, dos direitos humanos, inclusive contra os riscos dos governos da maioria.

Barbosa poderia e até deveria ter dito que esse não é um órgão democrático e representativo, pois não é eleito, mas que não deve se envergonhar disso. Trata-se de um órgão meritocrático, e até isso pode ser posto em dúvida. Até que ponto os ministros que vão para o Supremo são, de fato, os melhores? Há controvérsias saudáveis a respeito.

A confusão de Barbosa explica, em grande medida, sua dificuldade de distinguir entre a missão do Judiciário e o serviço do justiceiro.

Tal confusão demonstra de onde vem sua obsessão por invadir o espaço reservado aos demais Poderes. Em seu cálculo, o risco institucional vale menos que uma manchete. Daí o gosto pelos saltos triplos carpados hermenêuticos, como disse um ex-ministro daquele mesmo STF, que também gostava de praticar ginástica institucional.

O raciocínio rasteiro que subjaz à sua baboseira retórica revelou-se, não faz muito tempo, na indecisão de Barbosa quanto a sair ou não candidato. Embora já não possa se candidatar em 2014, até hoje ele continua falando e agindo como candidato, e não como presidente de um Poder da República.

Sua "lição" de estadista contra Lula mostra o quanto Barbosa se desentende com o que é ser um estadista. Nem mesmo seu cargo de presidente do Supremo; nem sua assessoria; nem sua toga esvoaçante foram capazes de encobrir seu despreparo na hora de redigir uma nota em que deva expressar uma correta definição sobre o que é e para que serve o STF.

O Supremo é um um órgão essencial, mas hoje tristemente comandado com mão de ferro - e como se isso fosse uma virtude, e não um veneno - por quem não tem qualquer traço de estadista, muito menos de democrata.


(*) Antonio Lassance é cientista político.

terça-feira, 29 de abril de 2014

A pesquisa CNT/MDA e algumas considerações antiderrotistas

                                             
Confesso a vocês que passei o final de semana me preparando para escrever um post otimista. Achei que estava pegando muito pesado com o governo Dilma.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que batia pesado na presidenta, em Graça Foster, em Mercadante, pude verificar o espírito democrático do Partido dos Trabalhadores, tanto aquele da militância histórica quanto o de seus eleitores. O PT gosta de ser criticado. A gente percebe que às vezes os posts mais críticos ao governo e ao PT são os que fazem mais sucesso entre leitores petistas e simpatizantes. Desde que, naturalmente, sejam críticas francas e honestas.
Essa é uma força do PT, que permite ao partido aprender com seus erros e se aprimorar.
Essa aceitação da crítica é uma força. Explica em boa parte a razão de Lula ser o presidente mais criticado, mais achincalhado, da nossa história e ao mesmo tempo ser o mais amado e o mais popular. Isso também diferencia o PT de agremiações ideologicamente afins em outros países latinos.
Já analisei, alhures, como a proteção da mídia desvirilizou e debilitou o PSDB. Seus quadros atrofiaram-se intelectualmente, em virtude de um conforto excessivo proporcionado pela mídia. Enquanto isso, o PT, mesmo no poder federal, continua apanhando tanto que não teve a oportunidade de relaxar seus músculos.
Isso explica, por fim, a dificuldade do partido em discutir uma lei que regulamente a mídia. Setores importantes da legenda não querem se associar a nenhuma medida que possa ser comparada, mesmo que apenas simbolicamente, a uma censura da crítica. Esse parece ser o receio principal, por exemplo, da própria Dilma.
O maior obstáculo para levar adiante uma regulamentação democrática dos meios de comunicação, portanto, é convencer os próprios quadros dirigentes do PT, sobretudo aqueles no governo, de que esta não tem como intenção silenciar a crítica.
Ao contrário, o que se pretende é democratizar a crítica. Dar a mais atores sociais o direito de criticar o governo. A blogosfera, os movimentos sociais, os ativistas digitais, querem mais espaço para criticar o governo e serem ouvidos. Para isso, precisamos quebrar os monopólios e oligopólios. As concessões de TV e rádio estão em poder de um número absurdamente pequeno de famílias. Que rádios, que TVs, criticam a família Sarney no Maranhão? Que rádio, que Tvs criticam os tucanos em São Paulo?
O governo federal, por ser controlado por um partido identificado como de esquerda, num ambiente midiático dominado por famílias profundamente conservadoras, tem sido criticado diariamente, mas sempre pela direita. Os movimentos sociais e ativistas digitais criticam o governo pela esquerda. É um embate desproporcional, desde que a direita tem concessões de TV outorgadas na ditadura, e construíram impérios financeiros com o dinheiro e a proteção política da ditadura.
No fundo, portanto, se trata de quem tem, verdadeiramente, o poder de criticar o governo.
Além do mais, o principal objetivo de uma mídia mais democrática não é ampliar a voz do governo, e sim a voz da sociedade. A democratização da mídia aumenta o número de vozes e amplia a percepção auditiva das autoridades, permitindo um aprimoramento da gestão do Estado.
Voltando ao início do post, eu contava sobre minha intenção de iniciar a semana com uma mensagem de otimismo. Não quero fazer um blog político que contribua para o aumento no consumo de antidepressivos. Já basta a pauleira da mídia e sua violência diária contra a esperança, contra a nossa autoestima, contra qualquer forma de otimismo, mesmo o mais inocente.
Então acordei na segunda-feira e decidi não ler os jornais ou portais de notícias. Fui ler um livro, para me inspirar antes de atualizar o blog. Só que, quando resolvi me sentar à mesa para escrever, topei com as manchetes dos jornais e tudo foi por água abaixo. Lá veio mais um post duro, crítico e pessimista.
Entretanto, não dá para tampar o sol com a peneira. O clima político não está bom, e o governo não tem ajudado a quebrar essa campanha sistemática por um “país pior”. O apagão político e comunicativo é uma realidade triste e presente.
Hoje saiu a última pesquisa CNT/MDA (ver íntegra aqui), que comprova isso. A aprovação de Dilma caiu ao menor nível de sua gestão. Está abaixo inclusive do pior momento do ano passado, quando o país foi tomado por uma onda de criticismo, após as chamadas “jornadas de junho”.
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A oposição, pela primeira vez, dá sinais de vida. Os votos somados de Aécio Neves e Campos (34%)  já estão encostando em Dilma (37%).
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Minha análise “de botequim”, que fiz há alguns dias, está se confirmando. Teremos uma eleição bastante difícil pela frente. Mais uma vez, será PT versus Mídia. E a mídia tem muito mais dinheiro e “tempo de TV” do que o PT.
Todos os índices pioraram. Até mesmo a aprovação dos Mais Médicos caiu, de 84% para 75% da população.
Os números que tratam da refinaria de Pasadena revelam que o governo sofreu uma derrota política acachapante. As declarações de Dilma, tentando fugir à sua responsabilidade, não convenceram os que acompanham o tema. Para 66% dos entrevistados que já ouviram falar de Pasadena, Dilma é responsável.
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E o pior é que Dilma parece insistir na estratégia contraproducente, quase suicida. A presidente afirmou hoje que “a Petrobrás não pode pagar pelo erro de um só”. Ora, o que significa isso? Mais um tiro no pé!
A presidente tem de reagir à crise trazendo informações novas. Tem de falar sobre as estratégias de longo prazo da Petrobrás, aquelas mesmas que levaram a estatal a adquirir refinarias no exterior, nos EUA e no Japão. Dilma tem de encontrar um discurso geopolítico e estratégico para falar de Pasadena. É a única maneria de reverter o tema a seu favor.
Pasadena está dando lucro? Se está, porque Dilma não vai lá no Texas e fecha acordos que ajudem a Petrobrás a transformar Pasadena num negócio ainda mais vantajoso?
Sei lá, alguma coisa precisa ser feita em prol de Pasadena. Algum gesto amigável. Dilma só tem dado cacetada em Pasadena, sendo que esta é uma refinaria nossa, que pertence à Petrobrás, e que ela mesma ajudou a comprar.
Dilma não percebe que a história de “resumo falho” não cola?
Não estou preocupado com a eleição de Dilma Rousseff e sim com a continuidade de um projeto de cunho popular e progressista, que vem sendo implantado no país desde a ascenção de Lula. Este projeto está em risco por causa desse maldito apagão político e comunicativo do governo. O núcleo político de Dilma deveria entender que agora nem adianta mais mostrar a presidenta na TV, pontificando do alto de um pedestal. A imagem de Dilma está pesada, ruim, arrogante.
Ela tem que descer do palanque, vir ao chão, participar dos debates, opinar sobre política, defender seus projetos!  Por que não usa a EBC? Por que não usa o blog? Por que não faz hang outs semanais?
O importante é criar canais de interação e fazer a disputa política. O Brasil precisa conversar com Dilma e com a equipe de governo. Por que o Café com a Presidenta não é em vídeo e com a participação de interlocutores variados?
O governo precisa vir a campo e assumir um mínimo de protagonismo no debate político.
A única presença de Dilma nas redes hoje é tentando surfar oportunisticamente em algum meme midiático. Tipo: “Dilma é contra racismo e apoia iniciativa de Daniel Alves”. Ela, por si, não protagoniza nada. Não toma nenhuma iniciativa inovadora. Apenas inaugura obras onde faz discursos que se iniciam com frases terrivelmente convencionais: “queria agradecer o governador, queria agradecer a mulher do governador”…
A maioria dos brasileiros quer mudanças. Quer, por exemplo, um governo que ajude a população a se defender de uma mídia oligopólica e conservadora. Coisa que não está acontecendo. A mídia brasileira oprime a economia, a política e a cultura, com ajuda e chancela do governo! As informações não estão circulando de maneira saudável. Há um pessimismo no ar que não corresponde à realidade econômica do país.
Dilma tem de criar fatos políticos. Um amigo cientista político me disse outro dia, que se Lula fizesse mais umas quatro entrevistas com blogueiros, ajudava a mudar o clima. Não vou falar que Dilma deveria fazer igual porque pareceria legislar em causa própria, mas ela poderia fazer algo similar. Podia dar sua opinião sobre a judicialização da política, sobre o mensalão, sobre a reforma urbana, sobre a desocupação da favela da OI, sobre o trem bala, sobre Pasadena. Mas falar com franqueza, com tranquilidade, sem pose de discurso presidencial, explicando aos brasileiros quem são nossos adversários. Claro que isso implicaria em se preparar antes, discutir estratégias com ministros, com Lula, com assessores, para não disparar mais tiros no pé.
Enfim, alguma coisa precisa ser feita. Será lamentável ver a direita voltar ao poder. Se isso acontecer, quem perderá serão os mais pobres, naturalmente. A classe média também sofrerá. Afinal, quem vocês acham que serão as vítimas das “medidas impopulares” a serem tomadas pelo PSDB? A Globo? Os banqueiros?
Eu, como blogueiro político, continuarei meu trabalho tranquilamente. Se vierem tempos sombrios, estarei preparado para enfrentá-los.
Na verdade, será até positivo para a imagem do blog, que doravante ganhará o charme de ser “de oposição”.
No entanto, não é isso que eu desejo para meu país. Acho que a vitória do campo progressista popular, nas eleições deste ano, tem reflexos geopolíticos importantes demais para pensarmos apenas nos erros e acertos do PT. Aécio Neves irá minar o Mercosul, aliar-se aos EUA nos debates da ONU, e enterrar qualquer possibilidade de discutirmos uma reforma democrática da mídia. Isso para não falar na revisão da lei da partilha do pré-sal e em outras centenas de retrocessos que podem acontecer no caso de uma vitória do campo conservador.
Talvez o tempo de ser otimista já tenha passado. A hora é de adotar a máxima gramsciana de sermos pessimistas nas análises, realistas nas ações e otimistas quanto ao futuro. Afinal, em se tratando de luta de ideias, não importa se as perspectivas eleitorais de Dilma são boas ou ruins. O que importa é não esmorecer. O que importa é jamais esquecer que não se trata, apenas, de defender o governo Dilma ou o PT, e sim lutar para que o Brasil não venha a cair em mãos da Globo e seus afilhados políticos.


Globo desaba fantasticamente   


13% num ano. 30% em dez anos. Melhor subir a escadaria da Penha
                          CONVERSA  AFIADA
Singela homenagem do Bessinha aos filhos do Roberto Marinho

Saiu no “Outro Canal”, da Folha (*, outra que desaba …) , de Keila Jimenez:

“Globo perde público rápido e se aproxima da Record”

Só a Copa pode salvar a Globo, que perde audiência “vertiginosamente”, diz a Keila!

(Aqui pra nós, amigo navegante, se o destino dos filhos do Roberto Marinho – eles não têm nome próprio – está nas mãos do Galvão, melhor subir a escadaria da Penha … E isso tudo sem mostrar o DARF).

(Clique aqui para ler “o PT deve uma Ley de Medios ao Brasil”.)

A Globo deve encerrar abril com média diária de 13 pontos.

Contra 13,6 de março.

A diferença entre ela e a Record nunca foi tão pequena.

A Record tem 6,6 e o SBT, 5,5.

“A líder não consegue estancar a fuga de Globope anual, perdendo cerca de 13% de audiência nos últimos doze meses”

13% em doze meses.

E 30% em dez anos !

Não fosse uma empresa para-estatal, que vive de BV, já tinha caído todo mundo: dos filhos do Roberto Marinho ao Gilberto Freire com “ï” (**).

A última do “i” foi o desastre retumbante do “relançamento” do Fantástico:

“Mudança na forma não melhora o Fantástico – recauchutado, o programa marcou 17,7 pontos de audiência, abaixo da média alcançada este ano”, diz Mauricio Stycer, na “Crítica – Televisão”, da mesma Folha.

Será que o Globope resolveu “acertar a margem de erro”, logo agora que o instituto alemão de pesquisa está para chegar ?

Qualquer dia desses um dos filhos do Roberto Marinho – eles não têm nome próprio –  vai culpar o Globope …

(Paulo Henrique Amorim)

Mestre Joel fala por nós: vamos           digerir a ofensa com nosso orgulho e alegria                                                              

Fernando Brito                                          
joel
Aos meus amigos e leitores “politicamente corretos” – que me condenaram por achar que “embarco” numa onda que é no fundo racista – faço questão de reproduzir o magnífico artigo de Joel Rufino dos Santos, na FolhaSP.
Joel, um intelectual brilhante, veterano historiador e lutador da cultura brasileira- com quem partilho um passado brizolista e memórias de um tempo de que ele talvez não se lembre, porque eu era um menino e meu pai amigo de outra historiadora negra, a Dulce – vai ao mesmo ponto que atingiu Daniel Alves: o problema é que deixou de ser vergonhoso ser racista.
Ao contrário, os “intelectuais” da nova direita (existe direita nova?) procuram desqualificar as lutas históricas deste país dizendo que não há racismo e que o movimento anti-racista é arcaico e simplista –  da mesma forma como torcem o nariz para o nacionalismo.
A barbárie?
Não, essa é natural, é a lei do “mercado” transposta para o social.
Este tempo exige de nós que percamos a vergonha, também. É bom ser negro, mulato, mestiço, brasileiro. Nos orgulhamos disso, embora isso também não nos faça melhor do que ninguém, exceto num sentido: sendo assim nunca nos tratarão  impunemente como seres humanos ou povo inferiores.
Intelectuais mansos viram conservadores, podem crer, porque mudar significa não ser manso e fazer barulho.
Quando ficamos com medo do inconvencional, da alegria, da irreverência, somos mais fracos, porque somos mais tristes.
Mas quando a gente encara, de cabeça erguida, e devolve devidamente digerida a banana que nos lançam, tiramos nossa dignidade do particular e a colocamos onde ela precisa estar para produzir mudança: nas ruas.

Banana é bom e faz crescer  

Joel Rufino dos Santos
Há 70 anos, havia consenso entre os analistas sobre o declínio do racismo antinegro no Brasil. Modernização capitalista, miscigenação intensa e continuada garantiam essa previsão. A promiscuidade entre as raças, para o bem e para o mal, impedira a segregação –que marcava, essa sim, o caso norte-americano.
Os brasileiros negros, quando se organizavam em clubes recreativos, de autoajuda, escolas noturnas profissionalizantes, declaravam querer isso: integrar o negro, fazendo-o valer mais no mercado de trabalho para, dessa forma, participar do progresso nacional. Queriam se sentir tão ou mais brasileiros que os outros.
Após 125 anos do fim do escravismo –do escravismo, porque o trabalho escravo ainda existe–, as manifestações de racismo antinegro explodem nos estádios brasileiros.
Muitos se surpreenderam com a agressão da torcida do Mogi ao meia Arouca, do Santos, em março, no dia seguinte à agressão sofrida por um juiz no Rio Grande do Sul. No entanto, desde que o futebol virou uma profissão, lá por 1930, grandes craques negros –um Fausto, um Jaguaré, um Valdemar, um Leônidas, um Zizinho, um Pelé– e pequenos, cujo número é infinito, foram hostilizados e prejudicados pelo racismo. Os que agora se surpreendem –cronistas, apresentadores, jogadores, técnicos– não aprenderam na escola como nosso país se formou. De brincadeira, vão dizer que faltaram a essa aula. Não sejam rigorosos consigo mesmos, os que foram à escola não tiveram essa aula. Monteiro Lobato confessou que a única coisa que se lembra da história do Brasil é que o bispo Sardinha foi devorado pelos caetés.
Todos sabem que o Brasil teve escravidão. Alguma coisa nos impede de saber mais. Em alguma aula do curso elementar, nos disseram que “os negros foram escravos porque os índios não se adaptaram à escravidão”;. Como se diz na gíria, fala sério. A escravidão de índios no Brasil foi a maior da América do Sul, durou 250 anos. A dos negros, 350. O racismo, antinegro e anti-índio, é uma das colunas da formação brasileira.
O nosso racismo é envergonhado, tanto que alguém acusado de preconceito e discriminação racial se defende dizendo que tem amigos e, às vezes, até parentes negros. Diante de uma ofensa racista, sentimos vergonha pelo ofensor –no fundo, de nós mesmos. Tinga e Arouca são artistas doces e inteligentes da bola, que vergonha por quem os agrediu! Temos racismo em todas as suas formas –o preconceito, mais brando, a discriminação, mais eficaz, o racismo propriamente dito, estrutural, que organizou as nossas relações de trabalho, nossos hábitos, nossa moral pública.
No Carnaval, um bloco cantou: “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é?”. O que se insinua aí é que todos sabem que ele é, mas precisam comunicar a condição do Zezé. Bom, essa é uma peculiaridade do racismo brasileiro: como tem vergonha de ser, é preciso uma rede Brasil curtir a novidade, sem exceção. O país sempre foi racista –e chega a comover o esforço de militantes do movimento negro para convencer o Brasil do óbvio.
Por que a perda da vergonha? Um dos vetores deve ser a barbárie, palavra que tem milhares de acepções. Aqui é a vida que transcorre toda no estágio dos instintos primários: reproduzir, comer, sobreviver. Ou dito de outra maneira: sexo, consumo, violência. Há uns 50 anos, a vida do mundo civilizado parece caminhar para trás, não se diferenciando mais da vida primitiva. Não há hoje povo conhecido sobre a Terra que seja bárbaro. Todos criaram uma teia, às vezes fina, às vezes densa, de civilização –poesia, música, curiosidade intelectual, língua, filosofia, fundamento (outro nome de tradição) e destino (transcendência). Salvo as massas urbanas. Essas estão prontas, “everytime”;, “everywhere”;, para o espetáculo das torcidas organizadas.
A vergonha de ser racista é que acabou, ou está acabando. Se na Copa pularem feito macacos atirando bananas no campo, dou meu conselho aos jogadores negros. Façam como Daniel Alves esta semana: descasquem as bananas e comam. Essa também é uma tradição brasileira: o que vem a gente traça. No final do processo digestivo, a ofensa se transformará no que verdadeiramente é –aquela “coisa” amarelada.