segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Quem são os jovens venezuelanos?            

Se fosse verdadeiro o relato midiático sobre o cansaço por parte da juventude, o chavismo deveria ter sido derrotado nas urnas há muito tempo

Alejandro Fierro - Público.es                
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Os meios de persuasão de massa difundem por estes dias que a juventude da Venezuela é quem protagoniza as manifestações contra o governo. Segundo esse relato, os milhares de meninos e meninas que efetivamente saem às ruas para protestar representariam a vontade da totalidade dos jovens. O mal-estar que eles expressam em relação à inflação, à falta de segurança ou à suposta ausência de democracia se estenderia aos mais de sete milhões e meio de venezuelanos entre 15 e 29 anos.
Sob tais circunstâncias, a imagem pintada pela imprensa é sumariamente favorável à oposição. Por um lado, uns garotos que demandam um futuro melhor, com todas as conotações positivas que a juventude implica: rebeldia, liberdade, fé, generosidade... No outro extremo, forças policiais repressoras a mando de um Executivo, o chavista, satanizado até chegar a um ponto grotesco.
No entanto, se esse cenário é real, surge a pergunta: Por que o chavismo ganhou 18 das 19 eleições disputadas desde 1998? Já não se pode mais justificar com o carisma de Hugo Chávez. Nos últimos comícios municipais de dezembro, a dez meses de seu falecimento, o chavismo ganhou com dez pontos de vantagem, uma distância impressionante depois de três quinquênios no poder. Para quem continua apostando na teoria de fraude eleitoral, vale recordar que a idoneidade de cada processo foi atestada por um robusto time de observadores estrangeiros e pela comunidade internacional. A eles também se somam chefes de Estado pouco simpatizantes ao chavismo, como o colombiano Juan Manuel Santos, o chileno Sebastián Piñera ou o mexicano Peña Nieto. Até mesmo a delegação do Parlamento espanhol validou a vitória de Nicolás Maduro em abril de 2013, inclusive com a assinatura dos dois representantes do Partido Popular.
Se fosse verdadeiro o relato dos meios internacionais sobre esse cansaço por parte da juventude, o chavismo deveria ter sido derrotado nas urnas há bastante tempo, pois 60% da população venezuelana tem menos de 30 anos.
As pesquisas de opinião pública podem ajudar a lançar alguma luz sobre tão estranho mistério. Recentemente, foi publicada a II Pesquisa Nacional da Juventude. Havia vinte anos que não se realizava um estudo com essas proporções. Trata-se de um esforço gigantesco – 10.000 entrevistas pessoais com jovens entre 15 e 29 anos de todo o país – para radiografar um setor da população que tem pouco a ver com seus pais, dadas as enormes mudanças verificadas nas últimas duas décadas.
Os resultados se distanciam muito da imagem de uma juventude frustrada, pessimista em relação ao futuro, cansada da falta de oportunidade e sedenta por una liberdade que lhes é negada. Do total, 90% acreditam que a titulação acadêmica lhes proporcionará “muitas ou bastantes possibilidades de trabalho”; 93% dizem que podem aspirar a um emprego melhor que o atual; 98% continuarão se formando, pois pensam que os estudos servirão para conseguir um trabalho satisfatório. É só comparar esses números com a Espanha, onde há 56% de desemprego entre os jovens e centenas de milhares de universitários perguntam pra quê serviram tantos anos de estudo. Em contrapartida, as respostas dos venezuelanos apresentam otimismo em relação ao futuro.
Setenta e sete por cento dos jovens dizem que continuarão em seu país, e apenas 13% deles afirmam que querem se mudar. Essas porcentagens refutam a propaganda midiática de que a juventude quer fugir correndo da Venezuela. E quanto à suposta ditadura na qual o país se converteu, basta um dado esclarecedor: 60% consideram que o melhor sistema é o socialismo, enquanto 21% preferem o capitalismo. A partir dessas evidências científicas, é possível compreender melhor por que o chavismo conquista vitória sobre vitória.
Então, quem os jovens que protestam em Caracas e em outras cidades representam, se não os de mesma faixa etária? Obviamente, os de sua classe social. Isto é, as classes médias e altas, além da casta empresarial, que continua detendo um gigantesco poder. E esse setor é minoritário frente às classes populares, que representam mais de 60% da população.
A Venezuela é um país extremamente classista, apesar do fato de que, na última década, a desigualdade tenha diminuído mais do que em nenhum outro país da América Latina, segundo as Nações Unidas. A divisão de classe se reflete também nos aspectos racial e geográfico, conforme se comprova nas manifestações. A proporção de pessoas brancas tem sido avassaladora, embora apenas 20% da população se caracterize como mestiça. E o epicentro das concentrações se localiza no eixo La Castellana-Altamira-Palos Grandes-Sebucán, as áreas de Caracas onde o metro quadrado é mais caro. Para situar o leitor espanhol, seria como se saíssem para se manifestar os moradores do bairro de Salamanca, de Madri, ou de Pedralbes, em Barcelona.
O que ocorre nestes dias no país caribenho é o enésimo capítulo da luta de classes, esta que, segundo o multimilionário norte-americano Warren Buffett, os ricos começaram e estão ganhando. Na Venezuela, começou há quase cinco séculos, e também foi iniciada pelos ricos. Ocorre que, há 15 anos, eles acumulam derrota sobre derrota.
(*) Alejandro Fierro é jornalista e membro da fundação CEPS (Centro de Estudos Políticos e Sociais), da Espanha, com sede principal em Valência.

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