domingo, 29 de dezembro de 2013

A entrevista de Belluzzo não é sobre economia, é sobre política


Fernando Brito - 29 de dezembro de 2013 | 14:20     

              belluzzo
A longuíssima entrevista que o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos integrantes do grupo que assessora a presidenta Dilma Rousseff, deu à Folha de São Paulo, neste domingo, 29,  pode ter duas leituras.
Ou o professor Belluzzo entrou em rota de colisão com os demais integrantes desta assessoria ou, ao contrário, prenuncia uma mudança de rumos no alinhamento desta política.
É fato o que Belluzzo diz  sobre termos ficado reféns de uma obsessão “inflacionista” que acabou por provocar um desequilíbrio no câmbio, que desequilibrou nossas trocas internacionais e o próprio funcionamento da economia industrial.
É fato também que ele, como integrante do seleto grupo com acesso a este nível de discussão com a presidência da República não dissentiu disso.
Outros, como o economista Amir Kair, o faziam, há muito.
Mas Belluzzo, agora, “chuta o balde” em relação ao mercado financeiro.
E, mesmo reconhecendo que Dilma fez um imenso esforço para enfrenta-lo, sustenta que é preciso uma reação mais forte ao seu poder dominante.
Pela posição – ainda que informal – que todos sabem que ele ocupa junto à Presidente, o que Belluzzo diz ou é desafio ou é anúncio de mudança de postura.
Nem com uma imensa ingenuidade política poderia achar que aquilo que disse não vá ter repercussão.
Haverá efeitos políticos disso, para um lado ou para o outro.
Leiam um trecho da entrevista e tenham uma amostra de seu teor explosivo:
Dilma é desenvolvimentista?
A Dilma é desenvolvimentista só que não está conseguindo se livrar desses constrangimentos que vêm dos anos 1970 para cá. Ela recebeu a taxa de câmbio valorizada. Fez um esforço para desvalorizar. Porém, a inflação bateu no teto da meta. O que o BC fez e tinha que fazer? Subiu a taxa de juros.
Tinha que fazer?
Tinha. É preciso avaliar o que custa mais. Não tem regra. Se se perde o controle da inflação, ela vai para 7%, 8%, o risco de ela ir para 10% é muito maior. Não dá para num país que teve essa experiência hiperinflacionaria dar a sensação de que se está largando mão da inflação.
Depois de verbalizar uma posição mais firme em relação ao sistema financeiro, Dilma recuou? Ela foi enquadrada pelo sistema financeiro?
Não é que ela foi enquadrada. Essa palavra supõe…. Há um problema de relação de força. Não é saber quem razão. É saber quem tem mais poder de fogo, mas quem tem mais força.
Quem tem mais força: o mercado financeiro ou Presidência da República?
O mercado financeiro. No mundo inteiro. Ou se acha que os europeus fazem isso porque acham engraçado? É por que eles entregaram a rapadura!
Entregaram a rapadura para o mercado financeiro?
Sim, porque não se pode mexer naquilo que é essencial.
O que é essencial? Não deveria ser emprego, salário, bem-estar da população? É o sistema financeiro?
O essencial é o emprego, a renda, o bem-estar das pessoas. Mas estou dizendo que, nesse caso e depois de uma crise dessas proporções, houve uma inversão nas relações de poder se se comparar com os anos 1930. Porque nos anos 1930, o [Franklin] Roosevelt…Pam! Deu um murro na mesa, limpou e disse chega. Assim mesmo a economia foi devagar. O [Adolf] Hitler não só disse chega, como, no fundo, ele estatizou o crédito. Criou a Mefo, uma empresa privada para escapar do financiamento direto do tesouro das obras. O desemprego na Alemanha chegou a 43%; nos EUA foi 27%. Roosevelt sofreu oposição de todos os lados, inclusive da corte suprema.
Perdeu várias questões na corte suprema, sobre as primeiras instituições do New Deal. Ele foi costurando pelas beiradas. Hitler, não. Falou, é o seguinte: vão reconstruir a economia alemã. Criou essa Mefo, e um sistema de controle de preços duríssimo. No fundo, fez um acordo com empresários: querem sair dessa? Então vamos fazer assim. Eles emitiam papéis privados. Isso é a superpolitização da economia e a superautonomia do Estado em relação à sociedade civil. A economia do nazismo foi a estatização? Não. Foi, na verdade, a superprivatização da economia, com as forças do Estado, para preservar aquele bloco de empresas que estava ameaçado de destruição.
O que fazer agora?
Estamos discutindo uma questão crucial no capitalismo hoje, que é a autonomia do Estado. Um economista chinês disse outro dia que a diferença é que o Estado chinês é autônomo. Se pode fazer o que quiser na China: comprar, vender, montar empresa, quebrar. Só não se pode dar palpite na política do governo.
O Estado chinês é autônomo porque tem o seu próprio sistema financeiro?
Ter o seu próprio sistema financeiro está entre os elementos da autonomia. Em segundo lugar, ele controla o comércio exterior e regula o câmbio.
No Brasil o Estado não é autônomo?
Não, nunca foi. Houve momentos de uma certa autonomia. Com Getulio Vargas; com JK [Juscelino Kubitschek], menos. Getulio fez uma coisa: instituiu o confisco cambial, passou a mão nos excedentes de divisas do setor exportador para financiar a industrialização. O grande estadista brasileiro chama-se Getulio Vargas. Com todos os defeitos e qualidades que um estadista pode ter. Quem criou o Estado moderno brasileiro chama-se Getulio Vargas. O resto é tudo conversa mole.
Hoje o governo está de mãos atadas em relação ao mercado financeiro?
O governo está perdendo a batalha para o mercado financeiro. Perdendo a batalha ideológica e política para o mercado financeiro. Porque as pessoas estão convencidas de que é fundamental se ter essa liberdade do mercado financeiro e dos bancos. O que é o mercado financeiro? É uma espécie de sistema nervoso da economia capitalista, porque recebe as informações e as transmite. O que ele faz hoje, não só no Brasil, mas em outras partes do mundo?
É um setor que é autorreferencial. Como diz o papa, ele se voltou para os seus próprios motivos e não tem nada a ver com o resto. É um setor macroeconomicamente importante, mas cujo funcionamento está voltado para o enriquecimento de suas próprias funções ou dos seus participantes. Virou autorreferencial.
Ele já não tem a função de irrigar a produção?
As transformações no mercado financeiro fizeram com que ele deixasse de fazer a intermediação banco/empresa/investimento. Montam produtos que são do interesse deles. Por que eles resistem à intervenção no câmbio? A volatividade cambial é boa? É péssima para a decisão de investimento. Mas para eles é ótimo, porque ficam arbitrando.
É um setor vital e intocável? Dilma, com seu capital político, não pode mexer?
Não é um setor intocável. É que precisa ter base política nessa correlação de forças. Como Roosevelt teve no New Deal.

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