sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Os palhaços do circo jurídico

serão esquecidos

                                                                

                                                  
                                             Ilustração de Ciro Seiji, 2013, na revista Mouro

É Preciso Defender Dirceu e Genoíno e Calar o PIG

Lincoln Secco(*), especial para o VIOMUNDO

O governo burguês, hoje, não sustenta a democracia sequer para toda a camada burguesa da sociedade brasileira. É obrigado a cercear as liberdades políticas, principalmente, as da classe trabalhadora, não pode nos dar acesso aos meios de comunicação e à imprensa (…). Isso demonstra, inclusive, que a repressão é uma lógica inerente ao sistema capitalista brasileiro.” (José Dirceu, 19 de Julho de 1987 em artigo inédito que será publicado na  Revista Mouro, próxima edição, nº 8).
Conta-nos o historiador Duby em seu belíssimo livro “Guilherme Marcehal” que o maior cavaleiro do mundo resolveu partir para sua última batalha. Mesmo velho, prende o elmo, esporeia o cavalo e derrota os franceses. Mas seguindo a ética da cavalaria, ele tratou bem os cativos, escoltou seu chefe em segurança até o litoral e deixou-o partir.
Como as normas da cavalaria já cediam lugar aos interesses do Estado, alguns dos companheiros de Guilherme murmuraram censuras. Ainda assim, o melhor dos cavaleiros seguiu, como em toda a sua vida, os princípios de lealdade aos amigos e aos inimigos que  enfrentara em muitos torneios.
José Dirceu fez muitos amigos e inimigos na sua história. Ele escreveu o primeiro capítulo dela muito jovem, simbolizando a luta armada contra o terrorismo de Estado. Depois de um interregno clandestino iniciou seu segundo capítulo: a construção do PT. A chegada ao poder, ao contrário do que a imprensa veiculou, não trouxe benesses a Dirceu. Ele permaneceu pouco no governo, foi atacado desde o início, perdeu o comando da articulação política do Planalto, depois o cargo de Ministro e, por fim, foi cassado como deputado.
Agora começa o terceiro capítulo de sua história. Ele mesmo vai escrevê-la e pouco sabemos como vai enfrentar seus anos de prisão. Mas ele deixou alguns indícios. Sua primeira declaração importante foi a de que: 1. Aceitou uma sentença injusta; 2. Cumpriu a lei; 3. Não estão cumprindo a lei em relação a ele.
Os três momentos de sua declaração aparentemente se contradizem. Se sua sentença é injusta como poderia ser legal? Se ele cumpriu a lei por que foi condenado? E como podem condená-lo sem cumprir a lei?
Dirceu aceitou desde o início um julgamento ilegítimo porque toda a estratégia que ele ajudou a montar para o PT foi a de exercer o poder dentro das regras estabelecidas pelos seus adversários. Dirceu não fez como Pizzolato que (legitimamente) recusou a sentença injusta do STF. Dirceu aceitou (legalmente) uma decisão ilegítima. Por quê?
Posso estar errado, mas não creio que a resposta virá de revelações inéditas, ainda que elas apareçam. No fundo, o mundo político sabe o que foi dito e o que podia ter sido dito. O fato de o julgamento ter sido viciado ab ovo  talvez não sirva para anulá-lo, mas a lista de suspeitas e irregularidades é tão extensa que a prisão dos condenados terá o efeito contrário ao desejado. Não me refiro ao quadro eleitoral que não mudaria apenas por isso.
Dirceu e Genoino se tornarão mártires, presos políticos em plena “democracia”. Suas biografias se tornarão grande demais e os palhaços do circo jurídico, liderados pelo candidato togado, serão esquecidos. Recentemente o Senado Federal anulou a cassação de Luiz Carlos Prestes e ninguém se lembra dos juízes que o cassaram
Mas os petistas não precisam esperar tanto tempo. Poderiam começar sugerindo ao presidente do PT que visite os condenados. Lembro-me que Lula e Suplicy tiveram um  gesto de grandeza na visita a alguns dos sequestradores do empresário Abílio Diniz, apesar daquele episódio ter ajudado a derrotar o PT em 1989. Mas para o PT aqueles eram os tempos da cavalaria…
Conhecendo o passado revolucionário de Dirceu é pouco provável que ele acredite na possibilidade de mudar sua sorte pelas vias legais. Por isso os gestos políticos serão relevantes. O artigo de Tarso Genro na Carta Maior, deixando ao largo antigas desavenças internas, foi de suma importância. Um Governador no exercício do mandato se pronunciou inequivocamente contra a condenação de Genoino e Dirceu.
Se mudarmos um pouco a história do cavaleiro acima, parece que o ex-comandante do PT não venceu a batalha, mas deixou seu chefe em segurança e reconheceu que a honra da cavalaria andante desapareceu.
Obs: Agradeço pelo uso da ilustração do artista Ciro Seiji.
Lincoln Secco é professor de História Contemporânea da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da USP.

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