quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Libra desequilibra



Um megacampo de petróleo, a joia mais faiscante da coroa do pré-sal, instalou o dissenso na frente progressista historicamente defensora do petróleo nacional.

Libra desequilibra.

Em primeiro lugar, pela abundância dos seus 12 bilhões de barris, um dos maiores campos já descobertos no mundo. Adicionalmente, agora se vê, pela controvérsia em torno do leilão , marcado pelo governo para o dia 21 de outubro.

Nele serão definidas as empresas estrangeiras que vão explorar essa riqueza, juntamente com a Petrobrás que tem uma participação cativa de 30% em qualquer poço do pré-sal.

O conjunto das críticas ao leilão pode, grosso modo, ser resumido em duas perguntas de inegável pertinência: 

a) por que a pressa em leiloar um bilhete premiado, sem risco, e de valor recorde?

b) se há urgência, por que não confiar a exploração exclusivamente à Petrobrás? 

Foi o que se fez no caso de Tupi, em 2007.

O primeiro campo, aquele que consagrou a descoberta do pré-sal, com estimados 8 bilhões de barris, foi entregue à Petrobrás.

O Presidente Lula retirou dos leilões programados pela ANP, sob regime de concessão, todas as áreas afeitas ao pré-sal.

Tupi foi repassado à estatal, em regime de cessão onerosa.

Ou seja, a Petrobras pagou em ações à União para ter a exclusividade na extração e refino de uma riqueza comprovada e mensurada.

No caso de Libra, o risco do leilão aponta em direção oposta.

Um grupo internacional que saia vitorioso sozinho, poderá impor sua supremacia financeira à Petrobras. 

E assim determinar um ritmo de exploração que afronte os interesses da estatal. 

E os do país. 

O debate apaixonado que se instalou entre os desenvolvimentistas e a esquerda brasileira é compreensível.

O pré-sal representa um pedaço promissor do futuro nacional. 

A 300 km da costa, protegidos por dois mil metros de lâmina d’água; dois mil metros de areia e dois mil metros de rocha e sal, encontram-se cerca de 60 bilhões a 100 bilhões de barris de óleo.

Um trunfo inestimável, não apenas pelo seu valor específico, como principal reserva de petróleo descoberta no planeta no século 21.

Mas, sobretudo, pelo impulso industrializante que essa exploração enseja.

Toda uma cadeia de equipamentos, máquinas, logística, tecnologia e serviços diretamente ligados e também externos ao ciclo do petróleo poderá ser alavancada nos próximos anos.

Pode, ademais, contribuir para revigorar tecnologicamente a industrialização brasileira, credenciando-a a ocupar uma vaga nas grandes cadeias globais, a nova morfologia fabril em nosso tempo. 

Para que essa oportunidade não se perca é vital a definição de um “dosador” político que coordene algumas variáveis básicas.

O ritmo da extração, e o do refino, deve guardar sintonia com a capacidade brasileira de atender à demanda por plataformas, máquinas, barcos, sondas e centenas de outros equipamentos requeridos no processo. 

Caso contrário, esse impulso vazará para o exterior na forma de importações de bens e equipamentos.

Qual o risco de que o leilão de Libra contribua para isso? 

Dito de outra forma, por que um governo de recorte evidentemente não entreguista o faria?

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, uma das mais argutas referencias quando se trata de debater o futuro da economia e o destino da sociedade brasileira, adiciona novas variáveis que matizam a polaridade criada em torno do leilão do dia 21.

‘Libra, de fato, desequilibra. Estamos falando de 12 bilhões de barris; um horizonte de 35 anos de exploração. Temos tempo, mas não todo o tempo’, começa dizendo Belluzzo.

Significa que o tempo do pré-sal ganhou um novo ponteiro de aceleração histórica : a exploração do xisto norte-americano.

Em apenas quatro anos, o gás de xisto deixou a esfera do debate polêmico – sem que tenha deixado de sê-lo, ambientalmente – para se qualificar como uma nova commodity, com escala e preço capazes de revolucionar o panorama da energia mundial.

A reserva conhecida (pode ser muito maior) dos EUA é de 2,7 trilhões de m3.

O suficiente para abastecer a economia americana por mais de 100 anos. 

Seu preço equivale a 25% do gás natural que abastece a Europa hoje.

Deve cair mais, com a escala da produção.

’Estamos falando de gás natural; não de petróleo’, pondera Belluzzo para ressaltar, no entanto, as interações que uma nova alternativa desencadeia em todo o mercado de energia. 

‘Não há risco para o pré-sal; ele continuará competitivo a qualquer preço a partir de US$ 40/45 o barril (está em US$ 103 atualmente). Mas o fato é que não se pode adiar muito a exploração brasileira ’, observa o economista.

A janela aberta para o pré-sal constitui também uma das variáveis monitoradas pelo professor Adilson de Oliveira, da UFRJ.

Ele condensa na trajetória acadêmica a intersecção entre duas áreas que se entrecruzam nesse debate: a economia do petróleo e a industrialização brasileira. 

Sua tese, em Grenoble, foi sobre a indústria petrolífera brasileira; o foco atual é o desafio da industrialização, os saltos tecnológicos que ela requer em nosso país e em nosso tempo.

‘Creio que a janela do petróleo tenha aí uns 30 anos pela frente. Aos poucos, energias alternativas devem se impor. Por isso o Brasil não pode deixar passar o tempo, errar a mão, nem desperdiçar os encadeamentos industrializantes que o pré-sal encerra’, explica o professor da UFRJ.

Ele não esconde a sua preferência.

Gostaria que a exploração de Libra seguisse o modelo aplicado em Tupi. “Ainda que a Petrobrás não tenha fôlego para tocar tudo sozinha’, ressalva. ‘ Nada impediria que ela licitasse fatias sob sua guarda para empresas parceiras’.

Os dois economistas admitem que a opção pelo leilão não deriva exclusivamente da lógica do petróleo.

Há gargalos e escolhas de política econômica que subordinam as prioridades de uma estatal.

É para fazer política econômica também que as estatais existem (ainda que se possa divergir dessa política).

No caso, uma das prioridades do governo é prover a conta de chegar da política fiscal, que precisa dos R$ 15 bi de arrecadação previstos no leilão de outubro.

Outra, não perder a janela do petróleo, sem que para isso seja necessário zerar a defasagem de caixa da Petrobrás, o que exigiria uma paulada inflacionária nos preços da gasolina.

A administração de preços é uma ferramenta legítima de política econômica.

Entre outras coisas, ela suaviza conjunções críticas, como as que tem assolado a economia brasileira, a partir da crise mundial.

A saber: a pressão das commodities sobre os índices de inflação; e, agora, a paulada cambial nos custos de importação.

Há quem se descabele com a interferência estatal na formação dos preços , como os da gasolina. Ou o do câmbio.

Pensavam assim aqueles que almejavam criar a Petrobrax. Tendo como diretriz o emblema privatista: ‘livrar o mercado brasileiro de qualquer interferência estatal na compra e venda de petróleo’.

Era o que dizia, em 1999, o então diretor-geral da ANP, David Zylberstajn, quando o governo do PSDB decidiu cortar o mal pela raiz.

Encolher a Petrobras. Destituí-la do monopólio na exploração; amputar seu seu braço petroquímico. Fatiamento histórico revertido em boa parte na regulação soberana do pré-sal.

Nenhum retrospecto isenta de riscos o leilão do maior campo do pré-sal no próximo mês.

‘Temo que o resultado revele uma supremacia chinesa na exploração de Libra’, ressalva o professor Adilson de Oliveira.

Seu argumento: “De nada adiantará a Petrobrás deter 30% se os chineses ficarem com 60%. De cara, isso imporia uma restrição ao efeito industrializante que se espera’.

Por exemplo, professor...

‘Por exemplo: quem fabricará os navios que levarão o petróleo para a China, considerando-se que os estaleiros chineses tem escala e preço mais vantajosos que os da emergente indústria naval brasileira? Esse é só um dos riscos embutidos num desfecho desse tipo’.

Os temores de Adilson de Oliveira incluem um antídoto, conforme ele mesmo prescreve.

‘O ideal seria que houvesse um balanceamento nesse leilão, já que ele vai ser feito; que além dos chineses, participassem também empresas europeias, em fatias que assegurassem o predomínio da Petrobrás’, arrisca.

O governo teria condições de ordenar esse desenlace no dia 21?

‘Sabemos que há negociações sendo feitas; mas não sabemos quais as variáveis em jogo’, lamenta Adilson de Oliveira.

‘Há possibilidade de que o leilão conduza a um desfecho em que os chineses e a Statoil, a petroleira norueguesa, saiam vencedores. Isso preservaria o mando da Petrobrás e resguardaria os interesses do país no pré-sal, estabelecendo ao mesmo tempo um modelo para o futuro da exploração. A definição desse modelo é essencial. Para o país e para o investimento’, argumenta o bem informado Luiz Gonzaga Belluzzo. 

Se Libra desequilibra, que seja por aí. A ver.

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