quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Dissecando os 'Embargos Infringentes'

(para  indignados e desinformados que insistem em deitar cátedra com insipiência ou implícita má fé)     

Taysili de Souza Correia Leite (*), no FACEBOOK


Eu ainda não havia escrito nada sobre isso porque, honestamente, estou morrendo de preguiça da ignorância. Amigos que abraçaram a empreitada já relataram suas decepções, o que me desanimou ainda mais. Porém, ao receber do meu querido irmão a pergunta "o que são embargos infringentes?, percebi que deveria me manifestar. Então, meu lado  de professora falou mais alto e decidi esclarecer as dúvidas recorrentes, em respeito às pessoas de boa-fé e boa índole que não são da área e se depararam nos últimos dias com generalizada polêmica em torno desse instituto jurídico de nome tão estranho. Perdoem os colegas espertos, mas serei bem didática.


Embargo Infringente é um recurso cabível de decisões não unânimes. Os julgamentos nos Tribunais (diferentemente das Varas de primeira instância) são proferidos por mais de um desembargador ou ministro ("Juiz"). Se eles discordarem sobre a decisão, a defesa pode pedir o reexame do caso.

Trata-se de um recurso exclusivo da defesa. Por que? Como todo recurso em sentido estrito, os embargos infringentes têm efeito devolutivo, isso significa que eles devolvem o caso para ser julgado novamente. Todo recurso tem essa função e esse é seu papel no direito. Isso existe em nome de alguns princípios. O primeiro é o duplo grau de jurisdição, que existe para todo réu ter direito a uma reapreciação do seu caso. Imaginem se o primeiro juiz que julgar alguém se enganar, errar ou julgar desfavoravelmente porque não foi com a cara do réu, por exemplo: ele precisa ter direito a um reexame do caso. Outro princípio é o da ampla defesa, pelo qual todo réu tem direito a explorar e esgotar todos os meios de se defender, pois um direito máximo está em jogo: sua liberdade. Temos também o "in dubio, pro reo": por este princípio, se houver dúvida sobre a condenação, por falta de provas ou qualquer outro motivo, o réu não pode ser condenado. Se houver alguma dúvida, como mandar alguém para a prisão? É em nome desse princípio que só a defesa pode entrar com tal recurso (a acusação não se beneficia da dúvida; se houver dúvida, absolve-se).

Esses princípios existem para o Delúbio Soares, para o Zé da Silva, para a Dona Maria, para o Eike Batista, para mim, pra você, pra sua mãe... Qualquer pessoa que estiver respondendo a um processo criminal tem esses direitos, para que ninguém seja condenado injustamente. Então, quando as pessoas ignorantes se revoltam contra esses direitos estão se revoltando contra seus próprios direitos. É isso que elas são incapazes de entender. Não quer que o Delúbio tenha direito a recurso? Tomara que um dia você ou sua mãe atropelem alguém sem querer e também não tenham direito! Entende o problema, povão?

Uma querida amiga, indignada, postou estes dias que ninguém dá palpite nos melhores tratamentos médicos, mas todo mundo quer dar pitaco nos julgamentos. Respeitem nossa ciência, leigos! É o mínimo, inclusive, de cidadania compreender o Direito, cujas regras devem ser respeitadas, e nós estudamos para compreendê-las e os leigos não têm essa obrigação. [É isso diferencia nossas opiniões.

Via de regra, quem tem a competência legal para analisar sobre a admissibilidade do recurso é o relator, e, caso procedente, todo o colegiado aprecia o mérito. Os requisitos desssa admissibilidade estão na lei. Muito embora Joaquim Barbosa tenha rasgado a lei em diversos momentos nessa ação penal, o recurso foi admitido.

Observem: houve dúvida, divergência em relação à condenação! Não é motivo suficiente para que essas pessoas tenham direito a uma reapreciação? Tem que ser muito muito ignorante(ou litigante de má fé) pra não perceber o óbvio. Espero, de coração, que os revoltosos revejam suas (infundadas)insatisfações.




Agora, para quem tem mais fundamento no debate, que afirma serem incabíveisos 'embargos infringentes', quando há competência originária por prerrogativa de função:

(Só uma breve explicação para os leigos - a competência originária funciona assim: quando porventura ocupa um cargo ou função muito importante, você não é julgado pelo juiz da vara criminal da sua comarca; o seu primeiro julgamento é direto no tribunal. Os deputados federais são julgados no STF (esta é a primeira instância deles). Por isso, argumenta-se que aqui não caberia o duplo grau de jurisdição nos EI.

Ora, a competência originária é um benefício constitucional no interesse da nação e jamais poderia ser usada para retirar garantias fundamentais de quem exerce função pública. Imagine: sou deputado e, por isso, perco direitos conferidos aos demais brasileiros? Seria um disparate(TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI, esqueceu?).

Por fim, em relação ao mérito: o julgamento do mensalão foi o maior absurdo jurídico desde a redemocratização de 1988. Isto porque muitas pessoas foram condenadas sem justificativa legal. No Direito Penal, você tem que realizar a conduta (o verbo) escrita na lei. Para o crime de corrupção ativa, por exemplo, você tem que oferecer ou prometer vantagem pra alguém. Então, só terá cometido o crime se houver prova. No caso do 'mensalão', não havia provas para algumas pessoas, mas o STF SUPÔS que eles sabiam, só por ocuparem determinados cargos, sem que tenham efetivamente praticado as condutas da lei. Isso é um absurdo penal!

Imagine sua condenação por um crime por conta de o juiz 'supor' que você 'sabia' sobre um subordinado responsável por determinado ilícito penal. Pois é, foi isso que aconteceu com José Dirceu e José Genoíno.

Ainda houve outros absurdos. Por exemplo, foram admitidas provas ilícitas, desrespeitando completamente a lei. Foi aplicada lei posterior... Imagine você ser condenado com uma prova produzida ilegalmente, ou vc ser condenado com base numa lei que foi feita depois do seu ato... Hoje, estou de vermelho... Amanhã, sai uma lei proibindo usar roupa vermelha e ela me atinge? Só para ilustrar você, que porventura é leigo, o absurdo do julgamento. Esse foi o caso do Bispo Rodrigues(que não era do PT).

Apenas para deixar claro: quando nos indignamos com os critérios de julgamento da AP 470, não estamos "defendendo o PT". Discorremos sobre a legalidade, o direitos de todos que são meus e seus também!

É justamente o contrário: a lei foi rasgada nesse caso porque é o PT, porque as classes ricas e poderosas deste país odeiam o PT. Rasgar a lei e a Constituição por ódio de classe e perseguição política é fascismo! Esse julgamento nos amedronta muito, e as pessoas que babam ódio ainda mais. Gostar do que foi feito é fascista!

Agora, pela primeira vez neste caso, o STF está seguindo a lei. Cuidado se você 'adorou' a postura do STF antes e se revoltou agora: isso é significativo sintoma de fascismo crônico, associado a alienação... 


(*) Taylisi Leite é mestra em Direito pela UNESP e professora universitária(sem filiação  a qualquer partido político).

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