segunda-feira, 29 de julho de 2013

Sobre santas quebradas e violência


                                                                    VIOMUNDO                                                                  
publicado em 29 de julho de 2013 
           
                                                                              Foto do Facebook da Marcha das Vadias de SP
Sobre santas quebradas e violência
julho 28, 2013
Aconteceu, neste sábado (27), a Marcha das Vadias do Rio de Janeiro (MDVRJ). Há meses, ela estava marcada para acontecer em Copacabana, a partir das 13h. Por problemas de logística (por pura incompetência, na verdade), os eventos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que ocorreriam em Guaratiba, na zona oeste do Rio, foram transferidos para Copacabana. E é claro que mantivemos a marcha por lá.

A Marcha saiu do posto 5 de Copacabana até o posto 9 de Ipanema. Eu, particularmente, não gostei desse trajeto. Penso que manifestações existem para trazer algum incômodo, parar o trânsito, quebrar a normalidade. Acho que o mais interessante teria sido andar pelo bairro de Copacabana, gritar para o bairro inteiro ouvir, inclusive os peregrinos católicos. Mas, fora isso, achei o saldo da marcha positivo.

Sim, eu gostaria de ter realizado um confronto – ainda que na base dos gritos. Mais um, na verdade, pois alguns peregrinos passaram pela concentração da marcha aos berros de “viva o papa! Viva a igreja!”. Houve resposta, é claro. Acredito que tenha sido nessa hora que um peregrino cuspiu na cara de uma manifestante. Este é um dos motivos pelos quais as estátuas quebradas não me incomodam: me compadeço muito mais por uma pessoa agredida do que por um pedaço de gesso.

Chegamos, afinal, à principal polêmica que a MDVRJ trouxe: uma performance artística em que um casal de manifestantes seminus quebrou estátuas de santos católicos. Claro que esta polêmica foi construída de fora, pela mídia. Eu estava lá enquanto a performance foi feita, mas sequer consegui vê-la, pois havia um círculo de pessoas ao redor dela e eu, baixinha, não consegui ver nada mesmo na ponta dos pés. Durante a marcha, não vi ninguém comentando sobre isso. Só fui saber o que houve horas depois, já voltando para casa, através de comentários na internet.

Não condeno a performance porque não me importo com a destruição de um símbolo opressor. Digam o que quiserem, mas, para mim, aquelas estátuas não passam de símbolos de uma instituição responsável por oprimir mulheres, indígenas e negros durante milênios. Aquelas estátuas simbolizam as pessoas que torturaram e queimaram vivas milhares de mulheres na inquisição. São o símbolo da instituição que condena a autonomia das mulheres. São o símbolo de uma instituição misógina. Nada mais justo que fossem destruídos numa marcha política. Afinal, não podemos esquecer que a Igreja Católica é uma grande instituição política com grande influência no estado brasileiro – que deveria ser laico, mas nunca se livrou deste ranço que vem desde os tempos da Colônia.

A aprovação ou não deste ato depende das convicções políticas de quem o avalia.  Eu acredito que não há diálogo possível com quem nos oprime e que, se alguém deseja fazê-lo, uma manifestação não é o momento pra isso – o diálogo tem que ser feito previamente. Existe o diálogo, feito principalmente através do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, que são um grupo minoritário lá dentro.  Mas muitas de nós não estão dentro da igreja católica, o que já exclui qualquer diálogo por parte dela, que não costuma dar ouvidos a quem não se curva a seus dogmas. Portanto, a possibilidade de um diálogo é ínfima. E eu não acho que nossas ações políticas devem se limitar a isso. Não devemos nos limitar ao diálogo com quem cospe nas nossas caras, literal e simbolicamente, todos os dias. Eu acredito muito mais em enfrentar os opressores como ação política. Portanto, não posso condenar quem o faz.

Condenar esta performance artística, pra mim, é uma hipocrisia tão grande quanto chorar pelas vitrines quebradas da Toulon e dar de ombros aos 13 mortos na Maré, ou ignorar o pedreiro Amarildo, que desapareceu na Rocinha após ser levado de casa por policiais da UPP. Não consigo me compadecer por pedaços de gesso quando tantas mulheres são despedaçadas todos os dias fazendo abortos clandestinos, quando são despedaçadas pela violência doméstica, por estupros; quando tantos LGBTs são agredidos e mortos todos os dias. A Igreja Católica também carrega responsabilidade por todo este sangue derramado quando fomenta intolerância e misoginia.
Não acho que seja possível classificar isso como intolerância religiosa. Duas pessoas resolveram quebrar as estátuas que elas compraram em um espaço público, durante um ato político. Ninguém invadiu uma igreja, impediu as pessoas de rezarem e despedaçou as imagens lá dentro. Porém, isso acontece o tempo todo nos terreiros de candomblé, nos centros de umbanda, mas não há a metade da indignação por parte da mídia e do público em geral. O recado é claro: existem religiões mais respeitáveis que outras. Dá pra distinguir uma da outra pela cor da pele de quem a pratica.

Como qualquer ato político, nem todo mundo vai concordar com a quebra das estátuas. Porém, acredito que atos políticos não deveriam ser feitos com simpatia e cordialidade, mas devem quebrar a normalidade, agredir o status quo, porque é contra isso que nós lutamos.

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