segunda-feira, 15 de julho de 2013

Fracassou o modelo neoliberal-assistencialista no Brasil?            

Quando Lula chegou ao poder, o PT assumiu as restrições que impõe o neoliberalismo a um projeto de desenvolvimento económico e social. Agora, que explodem as contradições, tem de aguentar as consequências do descrédito da crise.
ALEJANDRO NADAL, do LA JORNADA                     ESQUERDA.NET

Depois de longos anos de gestão do modelo neoliberal, explodem as contradições. Foto de Drago/SelvaSP
As manifestações no Brasil deram origem a um debate de grande atualidade. As posições polarizaram-se e a direita continental utiliza as manifestações para anunciar o fracasso do modelo populista brasileiro. A derrocada nos níveis de popularidade de Dilma Rousseff avivou as esperanças da direita a recuperar a Presidência em 2014. O primeiro impulso da esquerda consiste em assinalar os bons resultados económicos do programa do Partido dos Trabalhadores desde a vitória de Lula em 2002.
A manobra política da direita passa por capitalizar a ideia do falhanço do modelo económico do PT. Os termos do debate são os que convêm à direita. A sua ofensiva baseia-se na falsificação: apresenta como populista ou de esquerda utópica uma estratégia de política económica que no fundo conservou os elementos medulares do neoliberalismo e somente acrescentou uma política social reforçada. A falsificação nestes termos tem uma enorme desvantagem para o PT e os seus amigos. O PT teve de suportar longos anos de gestão do modelo neoliberal e agora, que explodem as contradições, tem de aguentar as consequências do descrédito da crise.
Quando Lula chegou ao poder político, a estratégia do PT aceitou a arquitetura do neoliberalismo: abertura financeira e uma férrea disciplina fiscal para gerar um enorme superávit primário (para pagar as pesadas cargas financeiras). Eram os anos seguintes à crise do neoliberalismo promovido por Fernando Henrique Cardoso e os seus aliados no FMI e nos Estados Unidos. Lula aceitou a pretendida autonomia do Banco Central e designou como seu governador Henrique Meirelles, até então presidente do International Bank of Boston, um dos principais credores do Brasil. O PT também não quis fazer marcha atrás no grande tema das privatizações e opôs-se às ocupações de terras lançadas pelo Movimento dos Sem Terra. Em síntese, o PT assumiu as restrições que impõe o neoliberalismo a um projeto de desenvolvimento económico e social.
Houve uma importante exceção no esquema do PT: a política de salários e os programas. Sob os governos do PT, os salários começaram a crescer e a recuperar alguma coisa do que tinham perdido nas décadas anteriores. Muito se fala das políticas de tipo assistencialista, como o programa Bolsa Família, mas o maior impacto no combate à pobreza veio sem dúvida do aumento dos salários.
O coeficiente de Gini, o indicador de desigualdade mais utilizado, passou de .599 a .539 entre 1995 e 2009. Para um período de 14 anos não é o mais espetacular, mas não deixa de ser um ganho importante. O componente de política económica que mais impacto causou nesta evolução da desigualdade foi o aumento dos salários nos últimos dez anos. Mas como se pode observar no meu artigo anterior, a política fiscal é muito pouco progressiva e contribui para explicar a lenta evolução da luta contra a desigualdade. O aumento dos salários não foi suficientemente forte e hoje está em risco de voltar atrás.
A grande pergunta é se os resultados do esquema brasileiro são sustentáveis e permitiriam continuar a melhorar. A resposta é muito provavelmente em sentido negativo.
O crescimento da economia brasileira nos últimos seis anos foi impulsionado pelo boom mundial dos produtos básicos (commodities). A procura proveniente da China e da Índia, bem como o impacto da especulação financeira nos mercados de futuros de alguns destes produtos, foram o motor deste processo. Isto permitiu ao Brasil manter uma posição folgada no sector exportador.
No entanto, é bem sabido que apoiar-se num setor primário exportador não equivale a criar o motor de crescimento necessário para um bom processo de desenvolvimento. Pelo contrário, o setor exportador impulsionado por um modelo de agronegócios que fomenta a concentração de terras e o endividamento das famílias camponesas implica também um extraordinário custo ambiental. O melhor exemplo é o da soja transgénica que provocou o desastre no cerrado brasileiro, com a expulsão da pequena agricultura numa zona gigantesca e a deslocação da criação de gado para a zona de Amazónia legal.
O PT e a esquerda latino-americana devem abrir os olhos diante das evidências. O modelo neoliberal não pode conduzir ao desenvolvimento económico e social. Simplesmente não está desenhado para esse objetivo.
As economias capitalistas são intrinsecamente instáveis. Mas, além disso, o modelo neoliberal de abertura financeira e comercial distorce profundamente o papel das variáveis chave de qualquer economia capitalista, começando pela taxa de juros e o tipo de câmbio. Estas distorções constituem um grande obstáculo para o investimento produtivo e para o crescimento. Não é possível mitigar o dano destas distorções numa sociedade com uma política social que não toque nos pilares do neoliberalismo. O que está a fracassar no Brasil é, uma vez mais, o neoliberalismo.
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net(Lisboa-Portugal).

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